Nascido em Rio Pardo no Rio Grande do Sul, em 24 de junho de 1880 filho de ex-escravos, João Cândido entrou para a corporação em 1894, aos 14 anos — época em que as Forças Armadas aceitavam menores e a Marinha, em particular, recrutava-os junto à polícia. Este não foi o caso de João Cândido. Recomendado por um almirante, que se tornara seu protetor, logo desponta como líder e interlocutor dos marujos junto aos oficiais.
Em 1910, uma viagem de instrução à Inglaterra alicerça, entre os marinheiros brasileiros, as bases para o levante conspiratório que poria fim ao uso de castigos físicos na Marinha. Durante a viagem inaugural do Minas Gerais, João Cândido e companheiros tomam ciência do movimento pela melhoria das condições de trabalho levado a cabo pelos marinheiros britânicos entre 1903 e 1906. E, ainda, da insurreição dos russos embarcados no encouraçado Potemkin, em 1905.
De volta ao Brasil, o estalo das chibatas não cessa, e os soldos baixos — contrastando com o status de maior frota náutica do mundo, superior até mesmo à inglesa — acirra o clima de tensão entre os marujos.
Até que em 22 de novembro de 1910, a lembrança das 250 chibatadas recebidas por um marinheiro, no dia anterior, deflagra o início da revolta. Durante quatro dias, marinheiros liderados por João Cândido (figura central da tomada dos navios, das negociações e, é claro, do ódio da Marinha Brasileira e do Governo Brasileiro) e entrincheirados nos navios São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Deodoro — ancorados ao longo da baía da Guanabara — lançam bombas na cidade.ao toque de recolher, o ataque estava pronto. Os marinheiros estavam dispostos a dar um fim à violência e humilhação que marcava as suas costas com o couro das chibatas. Como sentenciou João Cândido, o Almirante Negro, "Naquela noite o clarim não pediria silêncio e sim combate". A estrutura da sociedade brasileira na República Velha reflectia o quanto ainda eram perenes as marcas de mais de 300 anos de escravidão. Uma sociedade, que, poderíamos afirmar, era erigida sobre as bases da violência
e da hierarquização social, identificando na população negra, claramente, o labéu da antiga condição de escravos, que ao sair das senzalas não tiveram melhor sorte. Foram jogados nas cidades para desempenhar as piores actividades existentes, recebendo praticamente nada e trabalhando em condições aviltantes.
e da hierarquização social, identificando na população negra, claramente, o labéu da antiga condição de escravos, que ao sair das senzalas não tiveram melhor sorte. Foram jogados nas cidades para desempenhar as piores actividades existentes, recebendo praticamente nada e trabalhando em condições aviltantes.
Na Marinha Brasileira, a situação não era diferente. Estima-se que cerca de 80% da "maruja" era constituída por negros e mulatos. Em contrapartida, a oficialidade era formada por filhos de antigos senhores de escravos. Em muito pouco mudava, efectivamente, o antagonismo entre a casa grande e a senzala, apenas posto naquele momento em outros termos. A "maruja" não era melhor tratada do que seus pais ou avós, sendo que em geral eram filhos de ex-escravos. Recebiam um soldo miserável, alimentavam-se com uma comida detestável, quando não estragada e, o pior, eram castigados com chibatadas, amarrados pelos pés e pelas mãos, em cerimoniais bárbaros, de "castigos exemplares". O regulamento da "Companhia Correcional", como salienta Mário Maestri em "Cisne Negro: Uma História da Revolta da Chibata"(Ed. Moderna, 2000), permitia, 22 anos após a abolição da escravatura, a punição física pela chibata.
Todavia, os 59 anos de vida que teria pela frente após estes momentos de glória e de terror seriam árduos. Banido da Marinha, com uma tuberculose que o acompanhou durante os seus oitenta e nove anos de vida, teve de lutar muito pela sobrevivência. Trabalhou fazendo bicos em navios de carga, que logo tratavam de despedi-lo se descobriam quem era. Ganhou por muito tempo a vida na estiva, descarregando peixes na Praça XV, no Rio de Janeiro. Mesmo velho, pobre e doente, permaneceu sempre sob as vistas da Polícia e do Exército, por ser considerado um "subversivo" e perigoso "agitador".
"Nós queríamos combater os maus-tratos, a má alimentação (...) E acabar com a chibata, o caso era só este" — declarou João Cândido, em 1968, em depoimento ao Museu de Imagem e do Som.
João Candido sendo preso
Finda a revolta por um lado, ao menos parte das reivindicações dos amotinados foi atendida, em relação a comida nas embarcações e ao fim das chibatadas, os seus principais líderes foram traídos e a maioria dos participantes foram mortos. Dezoito dos principais líderes dos marinheiros envolvidos na ação foram jogados numa solitária do Batalhão Naval, na Ilha das Cobras. Antes de encarcerá-los, o pequeno catre que os receberia é "desinfectado", jogado-se baldes de água com cal. Nos quentes dias de Dezembro, a água evapora e o cal começa a penetrar nos pulmões dos prisioneiros. Sob os gritos lancinantes de dor, as ordens são claras: a porta deve permanecer trancafiada. É aberta, ao que se sabe, apenas no dia 26 de Dezembro. Naquela sala de horrores, dos dezoito marinheiros ali trancafiados, dezesseis estão mortos, alguns já podres. João Cândido sobrevive. Apenas ele e um outro marinheiro saem vivos, ainda que muito mal, daquele desafio infernal.Todavia, os 59 anos de vida que teria pela frente após estes momentos de glória e de terror seriam árduos. Banido da Marinha, com uma tuberculose que o acompanhou durante os seus oitenta e nove anos de vida, teve de lutar muito pela sobrevivência. Trabalhou fazendo bicos em navios de carga, que logo tratavam de despedi-lo se descobriam quem era. Ganhou por muito tempo a vida na estiva, descarregando peixes na Praça XV, no Rio de Janeiro. Mesmo velho, pobre e doente, permaneceu sempre sob as vistas da Polícia e do Exército, por ser considerado um "subversivo" e perigoso "agitador".
"Nós queríamos combater os maus-tratos, a má alimentação (...) E acabar com a chibata, o caso era só este" — declarou João Cândido, em 1968, em depoimento ao Museu de Imagem e do Som.
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