quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Intelectuais negros e imprensa no Rio Grande do Sul: Uma Contribuição ao pensamento social brasileiro

Nos meios de comunicação brasileiros são recorrentes as idéias de baixa estima, desorganização familiar e pouca afeição à política e ao mundo acadêmico e intelectual que caracterizariam a população negra. Usadas geralmente para justificar as condições desiguais em que se dão as disputas no mercado de trabalho e de ingresso nas melhores universidades, muito daquelas afirmações acabaram se consolidando no imaginário nacional. A marginalização social e a precariedade econômica em que se encontram a maioria dos afro brasileiros são problemas atribuídos exclusivamente às opções individuais e coletivas que tiveram ao longo da história. As dificuldades no acesso à educação formal, os limites legais impostos à organização social e as fronteiras raciais e econômicas reafirmadas no convívio em sociedade, que restringiram as possibilidades de ascensão social dos negros desde o período da escravidão, são omitidas ou minimizadas nos jornais, revistas e telenovelas. Infelizmente, ainda vivemos num país que desconhece parte importante e considerável da sua própria história. Muitas crianças negras são educadas a partir de cartilhas que reforçam aqueles estereótipos.
A escola não mostra exemplos de africanos que resistiram ao apresamento ou conquistaram a liberdade e voltaram para sua terra, nem de afro-brasileiros alfabetizados que se tornaram líderes e organizaram suas comunidades para enfrentar o preconceito e a discriminação. Nesse sentido, é necessário o enfrentamento das questões do nosso cotidiano, resultado de relações raciais desiguais, para se construir outra história dos negros brasileiros, o que nos encaminha para a construção de outras narrativas. A imprensa negra como fonte de pesquisa tem nos dado a possibilidade de investir em outras perspectivas históricas. Além de se prestar à reconstrução de uma determinada coletividade que tinha no jornal o principal meio de comunicação e reivindicação, também pode ser fonte na reconstrução de trajetórias individuais que participaram como lideranças, bem como nos ajuda a reescrever a contribuição dos intelectuais negros ao que se conhece como pensamento social brasileiro. Isso pode nos encaminhar para o processo de desnaturalização da imagem negativa ou de desajustados sociais que paira sobre as cabeças de carapinha. Nesse sentido, esse breve artigo pretende contribuir para minorar o caráter fragmentário, justificado muitas vezes pela falta de fontes de pesquisa, da historiografia sobre o negro no período posterior à abolição no Rio  Grande do Sul, saga que ainda está para ser recuperada no conjunto e que reconstitua a história dessa população.
A imprensa negra é constituída por jornais publicados, a partir do final do século XIX, com a intenção de criar espaços de comunicação, informação, educação e protesto da comunidade negra.
Perseguindo as datas festivas de aniversários, casamentos, batizados, festas e bailes, também os anúncios de morte e doenças, artigos assinados e reportagens, temos uma moldura aproximada dos comportamentos, anseios, esperanças e reivindicações daquelas pessoas. O protesto contra o preconceito racial e a marginalização social, poesia, teatro, música, conselhos e fofocas que tinham o objetivo de indicar regras morais e de comportamento para os leitores, bem como juízos afirmativos de uma identidade negra, tudo isso e muito mais se pode vislumbrar na imprensa negra.
Naquele período, as páginas dos jornais vinham recheadas de discursos reivindicativos e pedagógicos; as preocupações maiores eram com o ordenamento familiar e a formação profissional dos egressos da senzala. O processo de urbanização e industrialização do pós-abolição exigia novos sujeitos sociais, no entanto, a idéia central que nos leva a definir a imprensa negra como meio de comunicação e protesto para o povo negro chegou até nós. Ou seja, os problemas que atingiam a população negra naquele período, como a falta de visibilidade nos meios de comunicação, por exemplo, ainda são justificativas para a criação de periódicos e tvs da gente dirigidas ao público afro-brasileiro. Na maioria das vezes, a imprensa negra não permite o acesso a uma série ininterrupta de periódicos, o que é comum nesse tipo de publicação realizada por e para pessoas tão RS Negro – Cartografias sobre a produção do conhecimento sujeitas às vicissitudes da sobrevivência. No caso do Rio Grande do Sul, essa imprensa assumiu caráter diferenciado do restante do país, uma vez que houve longevidade na proposta quando da criação, em 1892, de O Exemplo, em Porto Alegre. Muito embora os fundadores não tenham mantido a periodicidade, pois houve anos em que não foi
publicado ou foram perdidos os exemplares, o jornal sobreviveu até a década de trinta. Longevidade foi a marca do jornal A Alvorada que, fundado em 1907, circulou na cidade de Pelotas e região até 1965.
Os dois jornais tinham um escopo de interesse temático e circulação que não se restringia apenas à comunidade negra, discutiam questões como a necessidade de leis trabalhistas, aumento dos aluguéis e dos alimentos, política nacional, temas que diziam respeito a toda sociedade, indiscriminadamente. No entanto, os problemas abordados na imprensa negra eram aqueles que atingiam os seus principais leitores, para quem os jornais eram dirigidos. A discussão pública em torno da questão racial, por exemplo, era tratada de forma
recorrente. O estigma da cor preta ou parda, estereótipo do negro como vagabundo ou marginal, era entendido por alguns articulistas dos jornais como sendo um reflexo da escravidão e permanecia como sinal da ignorância em que ainda vivia a maioria dos brasileiros. Segundo alguns articulistas, aqui reconhecidos como intelectuais negros, a sociedade branca repudiaria a todos enquanto indivíduos sem instrução, não enquanto homens negros, o que definia a instrução como o principal meio de integração racial e ascensão social para essa população. Era uma estratégia possível para buscar a mobilidade social que podia variar de acordo com as experiências de cada um. No caso daqueles que fundaram e mantiveram os jornais, o acesso à  ducação e a proximidade com as classes médias deram-lhes condições de buscarem a igualdade de direitos e vislumbrarem a possibilidade da superação das diferenças raciais e sociais.

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